JÁ FAZ UM ANO QUE O NOSSO QUERIDO WILLER NOS DEIXOU
Rubens Jardim
Conheci o poeta Claudio Willer desde os turbulentos
anos 60. São Paulo ainda era bem provinciana e todo mundo conhecia todo mundo.
Eu, por exemplo, ainda não fazia parte da Catequese Poética, mas já conhecia o
poeta Lindolf Bell –mesmo sem conhecê-lo! A mesma coisa vale para o Willer,
Piva, Mautner -- e tantas outras figuras que desfilavam pelas mesmas regiões e
até pelos mesmos bares.
Pois bem: Willer, Piva, Décio Bar, Bicelli e
Fransceschi formavam, naquela década dos 60, o núcleo dos “poetas malditos” da
pauliceia. E fizeram por merecer essa classificação, pois publicaram manifestos
polêmicos, “enterraram vivos” alguns poetas e atacaram—com sarcasmo—figuras que
pontificavam no panorama literário daquela época. Entre eles, concretistas e
praxistas, chamados ironicamente de “vanguarda acadêmica” –apesar das piruetas
e dos saltos verbais e conceituais.
O grande mérito de Willer, Piva e seu grupo foi –
além de todas as provocações, questionamentos e contestações – ter trazido à
tona autores substancialmente importantes. Norman Brown, Reich, Marcuse,
Lautrèamont e os poetas surrealistas, Ginsberg e os poetas da Beat Generation
quase não eram conhecidos, discutidos e divulgados. por essas bandas. Trazê-los
à baila, através de artigos, traduções, etc, oxigenou repertórios e ampliou o
leque das discussões..
O fato, extremamente positivo, é que Willer e seu
grupo procuraram mostrar a todos que a poesia deve ser encarada como caminho
para a libertação. Seja dos corpos, seja das mentes. Ou seja: poesia não é
brincadeira, nem bordão, nem bordado—e nem caretice. E a atividade poética é
uma atividade revolucionária. Nós, da Catequese Poética, comungávamos dessa
mesma crença. Por isso, jamais fomos adversários. Aliás, todos dessa geração--
incluindo Álvaro Alves de Faria, Carlos Felipe Moisés, Eunice Arruda, Péricles
Prade, Eduardo Alves da Costa e outros—mantiveram relações sempre cordiais e
fraternas.
Talvez porque o nosso único inimigo—e não só nosso—
eram os militares que se aboletaram no poder, suspendendo as garantias
constitucionais, prendendo, torturando e matando. Isso sem falar da censura que
amordaçou artistas e silenciou a imprensa. Vivemos períodos de arbitrariedades,
de terror e medo. Mas, mesmo assim, nunca deixamos de perseguir o sonho de
mudar o mundo. Talvez seja correto dizer que Willer e Piva foram mais atrevidos
e se vincularam também ao “mudar a vida” de Rimbaud.
Com a palavra, o poeta Claudio Willer:
PRAIA NA ILHA
é assim que eu gosto: ninguém por perto
só o acolchoado de areia macia
estendido entre as dunas
onde o esforço de andar
transforma os passos em gestos voltados para baixo
na direção do caldeirão
onde se debate a fumegante cordoalha
labirinto de convulsões
vazio atravessado por espasmos
novelo de tentáculos de espuma, de correnteza polar
e as mãos de gelo
que apertam a garganta e deslizam pelo ventre
labaredas de mar, ganchos fincados nas costas
para nos arrastar ao fundo
— penetrar nesse abismo
é navegar o dorso da morte, transformar a
consciência
em pátio de ventanias —
mas, no entanto
não somos daqui
viemos de muito longe
para descobrir a derradeira praia deserta
no costão oceânico da ilha
cercada de muralhas de vento e claridade
onde cobertores de maresia
são estendidos sobre nossos corpos
mansamente reclinados
sobre a pele dourada do Tempo
(Praia Mole, Florianópolis, 1981)
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