sábado, 13 de janeiro de 2024

Rubens Jardim

JÁ FAZ UM ANO QUE O NOSSO QUERIDO WILLER NOS DEIXOU

Rubens Jardim

Conheci o poeta Claudio Willer desde os turbulentos

anos 60. São Paulo ainda era bem provinciana e todo mundo conhecia todo mundo. Eu, por exemplo, ainda não fazia parte da Catequese Poética, mas já conhecia o poeta Lindolf Bell –mesmo sem conhecê-lo! A mesma coisa vale para o Willer, Piva, Mautner -- e tantas outras figuras que desfilavam pelas mesmas regiões e até pelos mesmos bares.

Pois bem: Willer, Piva, Décio Bar, Bicelli e

Fransceschi formavam, naquela década dos 60, o núcleo dos “poetas malditos” da pauliceia. E fizeram por merecer essa classificação, pois publicaram manifestos polêmicos, “enterraram vivos” alguns poetas e atacaram—com sarcasmo—figuras que pontificavam no panorama literário daquela época. Entre eles, concretistas e praxistas, chamados ironicamente de “vanguarda acadêmica” –apesar das piruetas e dos saltos verbais e conceituais.

O grande mérito de Willer, Piva e seu grupo foi –

além de todas as provocações, questionamentos e contestações – ter trazido à tona autores substancialmente importantes. Norman Brown, Reich, Marcuse, Lautrèamont e os poetas surrealistas, Ginsberg e os poetas da Beat Generation quase não eram conhecidos, discutidos e divulgados. por essas bandas. Trazê-los à baila, através de artigos, traduções, etc, oxigenou repertórios e ampliou o leque das discussões..

O fato, extremamente positivo, é que Willer e seu grupo procuraram mostrar a todos que a poesia deve ser encarada como caminho para a libertação. Seja dos corpos, seja das mentes. Ou seja: poesia não é brincadeira, nem bordão, nem bordado—e nem caretice. E a atividade poética é uma atividade revolucionária. Nós, da Catequese Poética, comungávamos dessa mesma crença. Por isso, jamais fomos adversários. Aliás, todos dessa geração-- incluindo Álvaro Alves de Faria, Carlos Felipe Moisés, Eunice Arruda, Péricles Prade, Eduardo Alves da Costa e outros—mantiveram relações sempre cordiais e fraternas.

Talvez porque o nosso único inimigo—e não só nosso—

eram os militares que se aboletaram no poder, suspendendo as garantias constitucionais, prendendo, torturando e matando. Isso sem falar da censura que amordaçou artistas e silenciou a imprensa. Vivemos períodos de arbitrariedades, de terror e medo. Mas, mesmo assim, nunca deixamos de perseguir o sonho de mudar o mundo. Talvez seja correto dizer que Willer e Piva foram mais atrevidos e se vincularam também ao “mudar a vida” de Rimbaud.

Com a palavra, o poeta Claudio Willer:

 PRAIA NA ILHA

é assim que eu gosto: ninguém por perto

só o acolchoado de areia macia

estendido entre as dunas

onde o esforço de andar

transforma os passos em gestos voltados para baixo

na direção do caldeirão

onde se debate a fumegante cordoalha

labirinto de convulsões

vazio atravessado por espasmos

novelo de tentáculos de espuma, de correnteza polar

e as mãos de gelo

que apertam a garganta e deslizam pelo ventre

labaredas de mar, ganchos fincados nas costas

para nos arrastar ao fundo

— penetrar nesse abismo

é navegar o dorso da morte, transformar a consciência

em pátio de ventanias —

mas, no entanto

não somos daqui

viemos de muito longe

para descobrir a derradeira praia deserta

no costão oceânico da ilha

cercada de muralhas de vento e claridade

onde cobertores de maresia

são estendidos sobre nossos corpos

mansamente reclinados

sobre a pele dourada do Tempo

 (Praia Mole, Florianópolis, 1981)

 

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