Este baú-arquivo-pirâmede
Aricy
Curvello
Os textos aqui apresentados permitem responder a
interrogações, não a todas, a respeito do homem e do escritor. Regiões permanecem,
a que(ainda) não temos acesso. A prematura morte de Uilcon Pereira fez encerrarem-se
várias possibilidades, e é certo que nos abalou, porque, em um momento de
invenção e crescimento de sua obra e de seu nome, e ele foi abatido em pleno
voo, na hora mais clara.
Ele que nos dizia com aquela sua graça peculiar: “Sou contra
a rotina e remo contra a corrente”. Eternamente insatisfeito, provocador, sal
disponível. Não há quem o tenha conhecido que dele possa esquecer-se facilmente.
“Você se inventou como personagem” – é um trecho de carta de
Fábio Lucas a ele que, sintomaticamente,
o incluiu como epígrafe em algumas publicações.
O processo de invenções dessa persona decorreria da espécie de ficção que ele escreveu – em que,
de certa f0rma, também ele “se” produziu.
Uma de suas grandes linhas de força: não ter separado vida e
arte em departamentos estanques. Intercruzava ambas. Por vezes a ficção “vivia”
a vida de Uilcon e vice-versa, não bastasse já ser ele cursor da
intertextualidade (Elisa Guimarães) e da intersubjetividade (Antônio Medina
Rodrigues).
Mário Bolognese, ex-aluno em
Assis e hoje professor de Filsosofia na INESP/Campus Marília, mostrou-nos em Do Esteta Ao Literato o quanto ele
esteve alerta e atento desde cedo: “Cético o suficiente, o professor que veio
ajudar a instalar o curso de Filosofia na UNESP (em Assis) não esmorecia diante de uma polêmica. Se abandonou os
temas clássicos da Estética para adentrar a pretensa ciência da linguagem de
então (Linguística e Semiologia, resultado da presença estruturalista entre
nós), o fez procurar uma materialização sígnica para conceitos inefáveis, que,
em sua opinião, nada tinham a dizer”.
A estrutura oscilante que se
desfaz (pontada no ensaio Babilônia,
Babel, Bizâncio e Brasil) corresponderia à materialização sígnica para
conceitos inefáveis que, em sua opinião, nada tinham a dizer” ( Mário
Bolognese) e ao esclarecer tópico de Antônio MedinaRodrigues: “Daí que as
vozes, que se multiplicavam em seus livros,
jamais quiseram dizer alguma coisa.
Não tinham tempo. Só queriam
ser uma construção inter-humana, um “passa-passa-treze”, e essa para ele, era a
mais digna das objetividades... Evitou a substância opaca. Preferiu a escrita
pluribucal, pedestre, acirandada. De que falava ele? Sempre se fala de alguma
coisa. Mas, no caso dele, as palavras eram estugadas a mais não poder, para não
se tornarem mesquinhas ou virginais em excesso, para não roubarem o verdadeiro
espetáculo, que estava na própria ânsia de vida...”
Tais seriam as sendas mais
próprias para se chegar ao cerne da ficção de Uilcon?
Este baú-arquivo-pirâmede –
afinal, que gênero literário é este? – tem várias razões de ser e várias
respostas diferentes. Tantas, quantos são os autores aqui reunidos para lembrar Uilcon.
Lembremos também suas cartas,
porque até aqui ele foi genial (genial, sim) e conseguiu iniovar em gênero e trechos transcritos por Camilo
Mota, por Hygia e por Ricardo Lima, é possível perceber o grande dom de Uilcon
de se fazer próximo, quase íntimo de alguém pouco conhecido, e de assim falar à subjetividade do outro. Esse o dom a
que Uilcon chamava de “cumplicidade”.
Significativamente, ele
emprestou a seu próprio trabalho também um caráter de manifestação marginal.
Como escritor identificava-se com tudo o que estivesse à margem, pois ele
(multíplice) também se considerava à parte, junto com trabalho que realizava.
Uilcon se agilizava de uma voz
a outra. Como escreveu Antônio Medina Rodrigues: ... para que o texto não
tivesse princípio nem fim, e a cidade não dormisse além da conta. Mas agora ele
dorme. Que faremos sem ele?
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